quinta-feira, fevereiro 14, 2008

Tempo Livre e Lazer

As práticas sociais individuais ou colectivas e as actividades que resultam da interacção social produzem o chamado “tempo social total”. Segundo Silva (2003), neste tempo social acontecem e se desenvolvem definidamente novos e distintos espaços temporais, provenientes do quotidiano de cada pessoa e do próprio meio onde se insere. Estes espaços temporais são completamente opostos e denominam-se de tempo de trabalho e tempo de não trabalho ou tempo livre absoluto pós laboral.
Este tempo livre que serve para fazer outras coisas ou para não fazer rigorosamente nada já provinha da Antiguidade. É conhecida a ociosidade que reinava na Antiga Grécia, dedicada à prática da filosofia, das artes e dos desportos. Nas sociedades pré-industriais já apareciam, ocasionalmente, algumas castas ociosas, paralelamente com as grandes massas humanas que trabalhavam e que apenas desfrutavam do tempo livre quando não existia condições de trabalho. O séc. XIX foi o berço das primeiras sociedades industriais e com elas apareceu uma enorme e esmagadora pressão de trabalho sobre o Homem, não lhe deixando sequer tempo para recobrar as suas forças. No século passado, assistiu-se a lutas intensas pela redução do horário de trabalho e pelo aumento de períodos de não trabalho, quer de descanso diário, quer semanal, como também a consagração do direito a férias. Tais conquistas proporcionaram ao indivíduo um aumento do seu tempo livre, onde ele pode desempenhar diversas actividades que digam respeito a ele próprio, ao grupo ou sociedade onde ele pertence e se insere como membro activo.
No entanto, é necessário distinguir tempo livre e lazer. De acordo com Silva (2003), citando Dumazedier (1962), o tempo livre “não é (…) uma categoria homogénea, pois engloba usos distintos desse tempo, nomeadamente: tempos afectos aos núcleos das obrigações familiares, religiosas, de participação social (…) e, por fim, o tempo de lazer.”. Já Faria e Faria (2007), citando Dumazedier (2001), diz que o lazer “é um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se, ou ainda, para desenvolver sua informação ou formação desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora, após livrar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais.” O lazer é, sobretudo, um tempo pessoal onde o indivíduo arranja momentos para si, regidos pelo prazer e realização espontânea, tendo também funções sociais, económicas, de socialização, terapêutica e simbólica. Com o aumento de tempo livre e consequente redução do tempo de trabalho, ampliaram as ofertas de lazer, desde as diversas formas de turismo (religioso, desportivo, cultural…), passando pelas ofertas culturais e outros tipos de passatempo, como a televisão que cada vez mais aliena as massas humanas.
No entanto, na sociedade contemporânea a ideia de que só o trabalho dignifica o Homem e que a preguiça é a mãe de todos os vícios ainda predomina, e isso reflecte-se na maneira como os pais encaram o tempo livre e de lazer dos filhos, não percebendo que estes precisam de liberdade e tempo para se desenvolverem integralmente. No que concerne ao tempo livre da criança, não é respeitada a vontade da própria em relação à escolha de actividades, o que frustra qualquer possibilidade da criança usufruir do lazer. Silva (2003), citando Belloni (1994), acrescenta que “a escolha reside muitas vezes mais na família, ou seja, nos pais, do que na criança, revestindo-se, indubitavelmente, para esta, de um carácter obrigatório.”. A criança tem direito ao lazer e precisa de compreender que o tempo para brincar e jogar é fundamental na sua educação. Para Aleixo (2002), a criança deve ter a oportunidade de proceder à exploração de si, dos outros e dos contextos onde se insere, no sentido de abandonar o seu egocentrismo natural e de conviver com quem a rodeia.
De acordo com Olivier (1973) “a criança é como uma planta. Uma planta sem sol não dá flores; uma criança que não brinca estiola.” A criança necessita de brincar porque este acto permite que ela aproprie-se da realidade imediata e, segundo Castro (2005), desenvolva a imaginação, os afectos, as competências cognitivas e interactivas, permitindo-lhe a vivência de diferentes papéis. Através da brincadeira, a criança constrói o seu próprio mundo, demonstrando activamente o que sofre passivamente. A criança que brinca tem mais auto estima e interage com maior frequência com os seus pares, propiciando situações de aprendizagem que desafiam as suas capacidades cognitivas. Ela necessita de tempo para brincar e para que isso aconteça é preciso dar-lhe tempo, espaço e recursos adequados para que possa escolher e desenvolver interesses individuais e de grupo. Quanto mais ela brincar, maior será riqueza dos seus comportamentos. Contudo, se entrar cada vez mais cedo numa rotina repleta de rigidez, a criança deixará de ser flexível e terá menos tempo para desenvolver uma inteligência criativa.
Bibliografia:
  • Silva, A. (2003). Contextos e Pretextos para Novos Espaços Educativos.
  • Faria, E. e Faria, E. (2007). Lazer e Educação da Criança e Adolescente: Reflexões sobre Políticas Públicas.
  • Olivier, C. (1973). A Criança e os Tempos Livres.
  • Castro, S. (2005). O Resgate da Ludicidade. A Importância das Brincadeiras, do Brinquedo e do Jogo no Desenvolvimento Biopsicosocial das Crianças.
  • Aleixo, M. (2002). Ludoteca: Um Espaço para Crescer Brincando.